Desigualdades regionais no Brasil: por que o Estado não deve se omitir – Felipe Sobral

Felipe Sobral, Economista, Professor e Coordenador do Curso de Ciências Econômicas da Unifor

O Brasil é um país de contrastes tão intensos que, por vezes, parece abrigar múltiplas nações dentro de suas fronteiras. Essa imagem não é mera força de expressão. As desigualdades regionais que marcam o território brasileiro são profundas, históricas e estruturais, afetando desde indicadores econômicos até de condições vida da população. Enquanto algumas regiões apresentam infraestrutura moderna, serviços eficientes e cadeias produtivas consolidadas, outras enfrentam baixa densidade econômica e exclusão social. Esses fatos, por si só, já evidenciam que o papel do Estado no combate a essas disparidades não é apenas relevante, é imprescindível para a construção de um país mais coeso, justo e desenvolvido.

A discrepância regional no Brasil pode ser evidenciada por diversos indicadores, de acordo com dados do IBGE (2022), o PIB per capita na região Sudeste (R$ 70.470) é mais que o dobro do registrado na região Nordeste (R$ 25.401), enquanto a região Centro-Oeste lidera com R$ 65.651. Não obstante estados como São Paulo (IDH 0,826) e Santa Catarina (IDH 0,829) exibem elevados Índices de Desenvolvimento Humano, outros como Maranhão (IDH 0,682) e Alagoas (IDH 0,683) figuram nos extremos inferiores do ranking nacional (Atlas do Desenvolvimento Humano, 2021). Esses dados refletem a desigual distribuição da infraestrutura produtiva, dos centros de educação qualificada, dos serviços de saúde especializados e dos investimentos públicos e privados, isso contribui para um ciclo vicioso de estagnação regional e de concentração de renda. Nessas condições, esperar que o mercado, apenas, por si só, promova o equilíbrio entre as regiões é ignorar os aspectos históricos da formação econômica e social do país e os limites da lógica econômica privada diante da ausência de retornos financeiros imediatos em áreas marginalizadas.

Desta forma, a ação do Estado como indutor do desenvolvimento regional tem amparo tanto na teoria econômica quanto na experiência histórica. Para Celso Furtado, o processo de industrialização do país ocorreu de forma concentrada, contando com apoio estatal, e reforçando desequilíbrios, uma vez que foi restrita a certos eixos geográficos. Furtado identificou que a industrialização, especialmente no período pós-1930, concentrada na região Sudeste, aprofundou a dependência econômica de regiões como o Nordeste e o Norte. Em suas obras como “Formação Econômica do Brasil” (1959) e “A Fantasia Organizada” (1985), Furtado demonstra o padrão excludente de desenvolvimento econômico do país e defende um projeto nacional que considere as realidades regionais, propondo políticas públicas específicas para quebrar o ciclo de marginalização territorial. Como marca do legado do ponto de vista do autor, pode-se destacar a criação da Sudene – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, em 1959, sob sua liderança, tornando-se um símbolo dessa tentativa de ruptura, ainda que enfrentando limitações políticas e institucionais ao longo do tempo.

Furtado argumentava que o subdesenvolvimento não era um estágio natural de evolução econômica, mas sim, um fenômeno produzido pelas relações desiguais dentro do sistema capitalista e, no caso brasileiro, pelas escolhas políticas das elites dominantes. Portanto, a simples difusão do progresso técnico e do investimento não seriam suficientes para romper o subdesenvolvimento regional, sendo necessário um esforço deliberado de planejamento e distribuição ativa dos recursos nacionais. Essa é uma perspectiva que, ainda hoje, ilumina os debates sobre qual o papel do Estado na superação das desigualdades regionais e a eficácia das políticas públicas.

Avançando nessa pauta, diversos instrumentos e políticas foram implementados com esse propósito. Destacam-se os Fundos Constitucionais de Financiamento (FNE, FNO e FCO), criados a partir da Lei nº 7.827, de 27 de setembro de 1989, e operacionalizados por instituições como o Banco do Nordeste e o Banco da Amazônia. Só em 2023, o FNE – Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste destinou cerca de R$ 60 bilhões em crédito para a região Nordeste, elevando seu saldo de carteira a mais de R$ 100 bilhões (Sudene, 2023). Já o FNO – Fundo Constitucional de Financiamento do Norte e o FCO – Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste, movimentaram, respectivamente, R$ 30 e R$ 40 bilhões. Esses fundos têm o objetivo de oferecerem crédito com taxas subsidiadas e prazos alongados, buscando estimular atividades produtivas em regiões historicamente negligenciadas. No entanto, apesar desses montantes significativos, um estudo do IPEA (2023) mostrou que os investimentos do FNE reduziram apenas 0,46% o índice de Gini[1] entre os estados nordestinos.

Outros dados revelam que a concentração da renda per capita nas regiões Sudeste e Centro-Oeste também persiste: em 1990, essas regiões detinham cerca de 60% da renda nacional; em 2008, esse percentual subiu para 78% (Pochmann, 2009). Além disso, dados recentes do IBGE indicam que 70% dos investimentos privados em infraestrutura seguem concentrados em apenas três estados da federação, São Paulo, Espírito Santo e Santa Catarina, o que acentua o descompasso no ritmo de crescimento regional.

Esses dados revelam que, embora importantes, essas políticas têm efeito limitado em resolver as questões que se propõem e expõem a falta de uma política nacional de desenvolvimento regional com coordenação eficiente, metas transparentes, avaliação de impacto e continuidade institucional. Para além disso, muitas dessas ações sofrem com captura política, uso eleitoreiro de recursos e baixa capacidade de implementação em nível local. Há também desafios relacionados à governança federativa: os estados e municípios frequentemente não dispõem de quadros técnicos qualificados, tampouco de autonomia fiscal para planejar estratégias regionais de longo prazo. A ausência de planejamento territorial articulado resulta em sobreposição de ações, desperdício de recursos e descontinuidade entre gestões.

Para que o enfrentamento das desigualdades regionais avance, o Estado precisa mais do que intenções: precisa de um projeto. Um projeto de desenvolvimento nacional que articule crescimento econômico com justiça territorial. Entre as medidas prioritárias, pode-se elencar o fortalecimento de investimentos em educação básica, técnica e superior nas regiões mais carentes, o estímulo a polos de inovação e cadeias produtivas locais, e o investimento em infraestrutura logística e digital. Além disso, faz-se necessário rediscutir o pacto federativo, ampliando a autonomia dos entes subnacionais, mas também sua responsabilidade fiscal e capacidade administrativa. A descentralização sozinha não é capaz de resolver o problema, sendo preciso a garantia que os estados e municípios tenham meios reais de formular e executar políticas de impacto regional. Com isso, iniciativas como os consórcios interestaduais, que vêm sendo articulados por governadores do Norte e do Nordeste, se mostram um caminho promissor para fortalecer a articulação regional e a defesa de interesses comuns.

É certo que o combate às desigualdades regionais não se resolverá em poucos anos. Trata-se de uma tarefa de longo prazo, que exige planejamento, perseverança, cooperação entre União, estados e municípios e vontade política. Mas também é certo que não há futuro sustentável para o Brasil sem a superação desse desafio. Um país com tamanha diversidade e extensão territorial não deve subjugar grandes parcelas de sua população e de seu território à margem do desenvolvimento. O combate às desigualdades regionais é, portanto, uma condição essencial para o fortalecimento da democracia, da coesão social e da soberania nacional.

Em períodos de crises fiscais e polarizações de ideias, o papel do Estado tem sido frequentemente colocado em xeque. Mas, ao contrário do que sugerem algumas correntes de pensamento econômico, o problema não está no tamanho do Estado, mas em sua qualidade e capacidade de ação. Um Estado eficiente, planejador e comprometido com o bem comum é o único agente capaz de coordenar esforços nacionais para reduzir as distâncias que separam os “Brasis” dentro do Brasil. E se há um compromisso inadiável que a sociedade brasileira deve assumir, é o de construir uma nação onde o lugar de nascimento não determine o destino de cada cidadão. Uma nação onde a equidade regional não seja apenas uma meta distante, mas uma realidade em construção permanente.

Referências:
ATLAS do Desenvolvimento Humano no Brasil. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), 2021.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.

FURTADO, Celso. A Fantasia Organizada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
IBGE. Produto Interno Bruto dos Municípios 2022. Disponível em: https://www.ibge.gov.br.

IPEA. Avaliação do impacto dos Fundos Constitucionais no desenvolvimento regional. Brasília: IPEA, 2023.

POCHMANN, Marcio. A nova geografia do emprego. São Paulo: Boitempo, 2009.

SUDENE. Relatório Anual de Atividades 2023. Recife: Sudene, 2024.


[1] O Índice de Gini é uma medida que reflete a concentração de renda em uma população. Ele varia entre 0 e 1, onde 0 representa a igualdade perfeita (todos têm a mesma renda) e 1 representa a desigualdade máxima (uma pessoa tem toda a renda).

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